A polarização política, processo cada vez mais recorrente no cenário político de diversos países, se acentuou de forma preocupante no Brasil a partir das eleições de 2018. Diálogos construtivos e responsáveis deram lugar a discursos polarizados carregados de violência e ofensas, seja em situações do dia a dia como, por exemplo, na convivência em ambientes de trabalho, social e acadêmico, ou na disseminação em massa de notícias falsas por meio das redes sociais.
Os discursos polarizados representam inúmeros perigos. Entre eles, estão uma perda de diversidade, seja ela de ideias ou de gênero, além de um bloqueio à discussão e enfrentamento de questões urgentes, como as mudanças climáticas. Contudo, a polarização acentuada no Brasil e alimentada, muitas vezes, pelo atual chefe do Executivo Federal vem conduzindo, particularmente, uma ameaça à nossa democracia.
As ameaças ao sistema eleitoral, colocando em dúvida a lisura das eleições de 2022, inúmeros ataques verbais aos membros das instituições democráticas e, recentemente, a concessão da graça constitucional ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), após condenação do parlamentar em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), evidenciam a necessidade de trabalhar arduamente pela defesa da democracia.
Com esse cenário, Mônica Sodré, diretora executiva da RAPS, foi a mediadora do painel “Como as democracias resistem: fortalecendo as instituições brasileiras”, realizado durante a primeira edição da conferência Brazil Summit Europe. O encontro teve as participações da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, do professor de Administração Pública, Ciências Políticas e Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas, Guilherme Casarões, e do professor de Administração Pública e Governo da Fundação Getulio Vargas, Marco Antônio Carvalho Teixeira.
Na abertura do evento, Mônica Sodré destacou ser “impossível discutir o presente e o futuro se não formos capazes de olhar o passado”, enfatizando, ainda, “que o mundo, definitivamente, mudou. E não me parece exagero, ao olharmos para o século 20, destacar a ascensão da democracia como o feito mais importante daqueles tempos”.
A nossa diretora executiva falou também sobre a crise democrática em algumas partes do mundo. “A crença de que o futuro do mundo seria democrático tem esbarrado na constatação empírica de que a democracia não é mais o único jogo na cidade”, disse. “Da sua erosão em locais onde ela parecia consolidada ao retrocesso onde havia sido há pouco tempo implementada, não é exagero dizer que estamos numa recessão democrática mundial, expressão cunhada por Larry Diamond”.
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, salientou que “a democracia é um direito fundamental, e direito a gente conquista todo o dia, mas, principalmente, o exercício do direito, é uma luta diária”.
Antes de terminar a sua participação inicial, ela ressaltou que “somos uma república democrática, e a coisa pública não é uma ação entre amigos”. Ainda de acordo com a ministra, “a coisa pública deve ser levada democraticamente, segundo a Constituição, segundo as leis, mas, especialmente, com o judiciário, que garante a cada cidadão o seu direito de ser livre, de ser tratado com igualdade, de ter responsabilidade sobre si e com os outros. Neste momento é importante prestar atenção na responsabilidade cidadã de cada um de nós”.
O professor Marco Antônio Carvalho Teixeira trouxe, entre outros assuntos, uma reflexão sobre partidos políticos. Em relação às legendas, ele abordou, ao seu ver, uma mudança na atuação delas. “Nós estamos falando de uma instituição que tem uma responsabilidade gigantesca sobre o processo democrático e que, de alguma maneira, ao longo dessa trajetória, sobretudo de 1988 para cá, foi perdendo essa capacidade de fazer da política uma ação coletiva”, destaca. “Foi, de uma maneira ou de outra, se deixando levar muito mais pelos projetos de poder interno dos seus grupos. Não como aquela definição clássica de instrumentos de conexão entre o Estado e a sociedade”.
Já o professor Guilherme Casarões trouxe uma análise sobre a ascensão da extrema direita no mundo e sua reverberação no Brasil, além de uma análise inicial sobre o governo Bolsonaro. “Eu acho que nessa altura, passados três anos e meio do governo Bolsonaro, não restam dúvidas de que somos governados por um presidente populista, que não foi só populista nas eleições, mas é populista no seu estilo de governar, e que capitaneia um governo ideologicamente vinculado à extrema direita”, frisa.
Sobre Brazil Summit Europe
A universidade alemã Hertie School, em Berlim, recebeu nos dias 23 e 24 de abril a primeira edição da conferência Brazil Summit Europe, que reuniu lideranças políticas, empresários, atores da sociedade civil e acadêmicos para discutir políticas públicas brasileiras. Entre as pautas discutidas, estiveram: a promoção dos valores democráticos; inovações em sustentabilidade e agenda ambiental; acesso universal aos cuidados de saúde e a gestão da crise Covid-19; políticas de governança digital; e tendências das indústrias brasileiras para investimento estrangeiro.
[ssba-buttons]Tags