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Pela política que (ainda) não conhecemos

29 de abril de 2016

Entre as muitas referências expressas a Deus, à família e ao Brasil, que marcaram a votação do impeachment na Câmara dos Deputados, no dia 17 último, repetiu-se mensagem silenciosa, porém antiga e certamente muito mais perigosa: a de que a política é terreno exclusivo daquelas pessoas. Segundo essa compreensão, a participação política do cidadão, da mais tênue a mais intensa, estaria limitada e teria como destinatários exclusivos os ocupantes de cargos eletivos e tradicionais detentores do poder de decisão. Assim, invariavelmente, ou seríamos vítimas dos representantes eleitos, ou culpados por eles e elas estarem ali, ou finalmente teríamos a obrigação moral de escolher novos nomes.
A reserva do protagonismo a representantes eleitos e a consequente negação da possibilidade de realizações políticas fora do âmbito da política institucional e partidária resume uma concepção que conhecemos bem e que vemos reproduzida, conscientemente ou não, nos meios de comunicação e nos debates em espaços públicos, redes sociais e até na Academia. Trata-se, no entanto, de uma falsificação.
Em São Paulo, professores e servidores colaboram num projeto de fortalecimento da gestão pública e qualificação da participação social; no Pará, organizações se unem para elaborar estratégia de desenvolvimento de regiões do estado; no Rio de Janeiro, um grupo oferece sistema para avaliar o nível de transparência do Legislativo e do Executivo; em Manaus, um instituto discute manejo de recursos naturais e gestão ambiental e territorial; em Santa Catarina, um projeto distribui aplicativo de celular que permite interagir com agentes políticos, sugerir iniciativas e partilhar avaliações; em 19 estados, uma rede de associações incentiva a participação da sociedade na fiscalização do uso de recursos públicos.
Essas e muitas outras são iniciativas reais, com resultados concretos, tocadas Brasil afora por pessoas comuns, reunidas em organizações sociais, associações civis, fundações e mesmo em grupos informais. Ao contrário do que se possa imaginar, ao assumirem para si um papel central na ação política, não negam o governo ou a política partidária; muitas, aliás, envolvem parceria e diálogo com a administração pública e detentores de mandato.
As iniciativas acima têm em comum com a concepção usual de política a disposição de participar dos processos de decisão; a ambição de orientar grupos sociais; a defesa de interesses (coletivos). Por outro lado, têm de radicalmente diferente não colocarem em posição central, como objetivo, a conquista e a conservação do poder.
Afinal, como também tem sido lembrado com certa insistência no processo de impeachment, a Constituição da República dispõe que todo o poder emana do povo. A sociedade exercê-lo de fato, de maneira organizada, consciente e efetiva, é não só caminho legítimo, como extremamente necessário.
O isolamento e o enfraquecimento das relações sociais, já ensinava Hanna Arendt há mais de 60 anos, em contexto específico, são condições para o estabelecimento de regimes que se fundam exatamente no alheamento dos indivíduos. Não por acaso, em nosso cenário atual, a sensação de impotência é efeito desejado por quem repete a mensagem do domínio exclusivo do espaço político pelos políticos.
A voz das ruas, infelizmente, não muda esse quadro de maneira decisiva. Essa voz, embora legítima, acaba igualmente fadada a, no máximo, influenciar as ações dos que se consideram os titulares exclusivos da política. Os muros que se multiplicam são produto desse processo, que precisa ser superado, e não necessariamente de uma separação essencial entre as pessoas.
Divergências não são muros: são peças essenciais na construção de governos, de políticas públicas e, sim, de consensos. A participação direta da sociedade também. O momento em que vivemos exige não é uma nova geração de políticos, mas a geração de novos políticos. E esses políticos — sem voto, sem mandato, sem base de apoio partidário — somos nós.

Rodrigo Chia

Empreendedor Cívico RAPS, vice-presidente do Observatório Social de Brasília, servidor público e mestre em Direito Constitucional
Fonte: Correio Braziliense de 25/4/2016 (p. 11, Opinião)

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