Trinta anos após o início da redemocratização e quase o mesmo da Constituição de 1988, o país, desorientado, encontra-se num labirinto devido a escolhas e decisões de seus líderes, ou à falta delas, que, nestas três décadas, legaram uma governança política disfuncional, traduzida em impasse político com esgotamento do presidencialismo de coalizão, hiperfragmentação dos partidos transformados em instrumentos de projetos de poder e de barganha, uma regulação invasiva e sem estratégia – incapaz de estimular o investimento, o empreendedorismo e o crescimento – e um Estado com graves problemas de inchaço e inépcia, que não conseguiu estruturar serviços públicos básicos de qualidade.
A população brasileira busca em suas lideranças saídas para a crise e nada encontra. O desejo de acesso a oportunidades de trabalho e prosperidade é substituído pela falta de confiança no presente e futuro, recessão, inflação e desemprego. A crise econômica e social e o impasse político que hoje presenciamos mostram o quanto sociedades complexas dependem de suas lideranças para encontrar soluções e fazer o governo funcionar. O fim do ciclo político da redemocratização revela a ausência de lideranças capazes de conversar e encontrar saídas, ou ao menos evitar erros grotescos como vimos em 2015 e 2016. O fato é que nestes últimos trinta anos, a sociedade brasileira pouco atraiu e apoiou novos quadros para a política e não criou e promoveu a amizade cívica entre eles.
Como pano de fundo do ciclo que se fecha, o país vê a riqueza social cair em queda livre e a desigualdade aumentar, num país já escandalosamente desigual. Também assiste ao início de uma longa e dura batalha social e política entre governos falidos (forçados a cortar serviços públicos), eleitores (querendo manter seus direitos sociais e empregos), contribuintes (desejosos de pagar menos impostos ou obter mais benefícios com o que já pagam) e sindicatos (que desejam manter os direitos conquistados para seus membros). O embate entre estes atores sociais delimitará o alcance da ação estatal e do mercado e reorganizará as forças políticas para um novo ciclo de estabilização, crescimento, inclusão e redução das desigualdades. Seremos obrigados a discutir, sem dogmas, se o atual modelo de governo é adequado, em relação à qualidade e extensão dos serviços públicos prestados, e viável, do ponto de vista das finanças públicas e do custo social.
A qualidade deste debate – aberto, participativo, baseado em evidências e que tenha em conta o interesse geral dos brasileiros – definirá se seremos capazes, ou não, de redesenhar o governo, regular o mercado e criar as condições para proporcionar aos cidadãos brasileiros um padrão de vida razoável nas próximas décadas. A transição rumo a uma sociedade sustentável requer o equilíbrio das dimensões econômica, social, ambiental e política. Este é o desafio para a sociedade e lideranças brasileiras e suas bases já estão sendo construídas.
Um dos maiores perigos do labirinto em que o Brasil se encontra é o contínuo enfraquecimento da democracia e da cidadania. Após três décadas, a desigual distribuição dos ganhos, quando há crescimento, e dos sacrifícios, quando há crise, além da impunidade dos agentes políticos e a corrupção, reforçam a crença na população de que o sistema econômico-político-burocrático do país funciona apenas para poderosos e privilegiados.
Para que a fruta desejada e madura da democracia não apodreça a cada dia aos olhos da nação, o que podemos fazer? Quais são as possíveis saídas e caminhos à frente?
De imediato, em questão de dias e não meses, é crucial que as principais forças políticas cooperem entre si e celebrem, tácita ou explicitamente, algum tipo de “pacto ou acordo de estabilização e transição”. É imperativo estancar o mergulho nas expectativas quanto ao futuro político e econômico do país. Trata-se de um pacto pelo Brasil e o governo e oposição são corresponsáveis pela governabilidade e serão ambos cobrados pelas gravíssimas consequências econômicas e sociais já visíveis.
Há um incêndio que consome as estruturas do edifício da governança política do País, cada vez mais disfuncional, e que enfraquece a confiança dos brasileiros em suas lideranças e instituições. As sérias questões que a política não consegue arbitrar de forma civilizada envolvendo o conflito distributivo e social do País e a extrema violência existente resultam em inflação, descrença, crise, repúdio à política e aos políticos e alienação social.
Vale ressaltar que este fogo que instabiliza o sistema político e institucional não resulta das investigações da operação Lavajato. Ao contrário, estas desnudam o “modus operandi” dos governos e dos sistemas político e econômico como um todo e, exceto por eventuais abusos que devem e serão corrigidos pelo próprio judiciário, contribuem para a urgente transformação da governança política.
Tendo como condição fundamental da ação política dos Líderes RAPS em apoiar investigações e punições exemplares, por mais longas que sejam e mais duras do que historicamente se fez no País, é preciso apontar o caminho e ancorar uma visão de futuro para o Brasil.
Apagado o incêndio que consome e enfraquece a confiança dos brasileiros em suas lideranças e instituições, propomos as seguintes medidas: (1) o redesenho de uma nova governança política, por meio de uma ampla e profunda reforma política-eleitoral-partidária; (2) a estruturação de uma rede de lideranças políticas comprometidas com a ética, à transparência e com a transformação do país; e (3) engajamento no amplo debate e construção de uma visão compartilhada de um Brasil sustentável.
Nossa proposta é introduzir o tema governança política neste artigo e abordar os demais nos próximos.
As instituições responsáveis pela governança política do país incluem os poderes legislativo, judiciário e executivo, os partidos políticos e as organizações da sociedade civil. Apenas no âmbito dos poderes executivo e legislativo, a governança política da república (união, 26 estados, o distrito Federal e 5.570 municípios) elege a cada quatro anos 70.433 pessoas. Nos três níveis da federação, estima-se que os poderes executivo, legislativo e judiciário empreguem cerca de 11,1 milhões de funcionários públicos e 1,5 milhão de pessoas em cargos de livre provimento. O sistema partidário brasileiro, por sua vez conta, atualmente, com 35 partidos políticos constituídos e, aproximadamente, 125 em processo de formação. Nas eleições de 2012 e 2014, participaram 505.427 candidatos.
Os números nos ajudam a entender o tamanho do desafio que se coloca à transformação da governança política do país. A ausência de uma cultura de participação política, de experiências e práticas democráticas e o afastamento da sociedade do processo político, podem ser elencados como alguns dos elementos que contribuíram para a crescente disfuncionalidade da governança, falta de renovação das lideranças e desesperança.
Entendemos que a construção de uma boa governança é capaz de gerar os incentivos para que o país encontre soluções e supere os desafios econômicos e sociais que se impõem ao longo do tempo.
Foi neste contexto que, em maio de 2012, a RAPS – Rede de Ação Política pela Sustentabilidade – nasceu. Com o objetivo de contribuir para o aperfeiçoamento do processo político, da governança e qualidade da democracia do Brasil, busca estruturar uma rede de pessoas alinhadas em princípios e valores (ética, transparência, justiça social, amizade cívica e sustentabilidade), que reconhecem a centralidade da política como o instrumento de transformação social e dispostas a debater e a construir uma visão compartilhada de desenvolvimento sustentável para o Brasil. Não podemos deixar de discutir o país que queremos e os caminhos necessários para sua construção.
Com mais de 450 membros de todo o país, de vários partidos políticos, os participantes se comprometem a ter uma ação política que combata todas as formas de corrupção e impunidade, elimine todas as formas de privilégios, combata a discriminação, reduza a desigualdade, estimule a competição, pratique e defenda a transparência, a integridade e a responsabilidade dos líderes políticos e promova a sustentabilidade.
A iniciativa da RAPS e muitas outras pelo país afora mostram que há esperança e saídas para o labirinto da política de Brasília e para o fim do sequestro do futuro dos brasileiros. Milhares de pessoas desejam e trabalham todos os dias para a construção de um Brasil mais justo, com oportunidades, próspero, democrático e sustentável.
Marcos Vinícius de Campos
Diretor executivo
Saídas para o labirinto de Brasília
18 de março de 2016