Por Bruno Toledo, Jovem RAPS
Quatorze anos atrás, Al Gore protagonizou a disputa presidencial mais acirrada da história bicentenária da república norte-americana: vencedor nos votos totais em todo o país, Gore tinha ficado atrás do republicano George W. Bush em alguns distritos na Flórida por menos de cinco mil votos, uma diferença que custaria todos os votos daquele estado no Colégio Eleitoral e, consequentemente, a cadeira presidencial. Depois de algumas semanas de incerteza e tensões políticas, a Suprema Corte determinou a paralisação do processo de recontagem de votos no estado, o que abriu caminho para que Bush fosse eleito presidente, mesmo com menos votos totais que Gore.
A derrota política mudou Al Gore. Figura proeminente dos democratas, ele se afastou gradualmente da vida partidária e começou a construir uma nova trajetória, dessa vez fora dos salões do poder. Aproveitando as experiências vividas como vice-presidente dos EUA (1993-2001), quando assistiu de camarote à agressividade da oposição republicana a qualquer iniciativa política do governo em matéria de mudanças do clima – simbolizada na rejeição do Congresso norte-americano à assinatura do Protocolo de Quioto – e retomando reflexões feitas antes e durante o período no poder, Al Gore tornou-se um dos principais nomes na defesa de ações e iniciativas efetivas na luta contra as alterações do clima decorrentes da concentração de emissões antrópicas de gases de efeito estufa na atmosfera.
A grande mudança para Gore e para a causa climática aconteceu em 2005, quando o ex-vice-presidente foi convidado por alguns cineastas a gravar um documentário a partir da sua famosa apresentação de slides sobre mudanças do clima. Lançado um ano depois, o documentário “Uma verdade inconveniente”, dirigido por Davis Guggenheim, colocou Gore e a questão climática nos holofotes da mídia internacional. O filme (ganhador do Oscar de Melhor Documentário em 2007), junto com a imagem revigorada de Gore (laureado com o Nobel da Paz, no mesmo ano), ajudou a criar um movimento de conscientização pública sobre o problema, realimentado com a apresentação do 4º relatório do IPCC, que deixou evidente a gravidade do desafio climático e a necessidade de enfrenta-lo o quanto antes. Foi o auge midiático da questão climática, que culminou com os resultados insuficientes e frustrantes da malfadada Conferência de Copenhague (COP15, 2009).
Mesmo com os problemas políticas e com a redução no espaço da questão climática na mídia em geral, Gore continuou trabalhando e defendendo não apenas a ação de governos, mas também de empresas e da sociedade em geral. Para ele, o desafio do clima não será resolvido apenas por governantes ou lideranças empresariais, mas também – e, em alguns casos, principalmente – pelo cidadão comum.
Foi com esse propósito que Gore criou o Climate Reality Project: mobilizar a sociedade civil, os cientistas, os governantes, os empresários, a juventude e os cidadãos em geral em torno da ação climática real e efetiva. Uma das iniciativas empreendidas por este projeto é a formação de lideranças globais, capacitadas e dispostas a mobilizar outros setores sociais em torno de soluções para o desafio climático.
O Brasil recebeu seu primeiro treinamento de lideranças no começo de novembro, no Rio de Janeiro. Mais de 750 pessoas, de mais de 50 países, participaram de três dias de discussão e reflexão sobre as mudanças climáticas e o que precisamos fazer – desde a perspectiva micro até a macro – para conseguirmos resolver este problema. A RAPS se fez presente no treinamento, com a participação de diversos Líderes, Empreendedores e Jovens.
Mesmo que a grande quantidade de pessoas tenha dificultado algumas dinâmicas propostas, as apresentações dos palestrantes – particularmente a do próprio Gore, que apresentou seus famosos slides e comentou sobre o processo de construção deles – e a troca de ideias com os demais participantes tornou o treinamento uma experiência marcante e enriquecedora, que nos incentiva à ação.
Aliás, não é difícil se sentir tentado a agir nos dias de hoje. Na mesma semana do treinamento, tivemos a publicação do documento síntese do 5º relatório do IPCC, reafirmando suas considerações do relatório anterior e aprofundando suas análises sobre os cenários e as tendências de aumento da temperatura média do planeta. De acordo com o IPCC, estamos caminhando para um aumento acima de 4ºC até 2100, dois graus a mais do que o teto defendido pelo Painel em seu relatório anterior como limite aceitável para o aquecimento do planeta neste século. Um aumento dessa magnitude terá consequências imprevisíveis e perigosas para toda a humanidade, em especial para as populações mais pobres. No Brasil, o aumento no desmatamento na Amazônia mostra que o caminho para que o país diminua efetivamente suas emissões ainda é longo e deverá ter mais pedras do que o esperado, principalmente se a destruição da floresta continuar. Estudo recente aponta que o desmatamento amazônico está diretamente relacionado com a prolongada estiagem que afeta o Sudeste brasileiro desde o final do ano passado, ameaçando tanto o abastecimento de água potável nas maiores cidades do país como também a produção de energia elétrica.
Nesse sentido, o treinamento do Climate Reality Project no Brasil foi uma oportunidade providencial de juntar alguns pontos e de – inspirados por Gore, por sua equipe e pelos diversos convidados que participaram das sessões – pensar em como tirar a população em geral e nossas lideranças políticas da apatia generalizada no que diz respeito às mudanças do clima. O desafio é cada vez maior, o tempo é cada vez menor, mas ainda temos um diferencial que pode nos ajudar: nós sabemos o que precisamos fazer e temos os instrumentos para fazer isso; resta vontade política. Como o próprio Gore coloca, “nós temos tudo o que precisamos para resolver o problema climático, exceto vontade política – mas vontade política é um recurso renovável”.
Tags