Nesta manhã de sábado (12), a RAPS e a Fundação Fernando Henrique Cardoso transmitiram pelas redes sociais o painel “Desafios da governabilidade democrática na América Latina”, com o ex-presidente Ricardo Lagos, 83. Economista e advogado, ele foi o primeiro socialista a governar o Chile (2003-2006), trinta anos depois de Salvador Allende –que morreu durante o golpe militar no país.
Lagos é antes de tudo um defensor da democracia e do meio ambiente e mesmo longe da política conjuntural continua a lutar pelos seus ideais. Figura de peso internacional, foi enviado especial da Organizações das Nações Unidas para questões do aquecimento global entre 2007 e 2010. É um dos integrantes do grupo The Elders (Os anciões), fundado em 2007, por Nelson Mandela, para a discussão de problemas mundiais.
O ex-presidente chileno criou a Fundação Democracia e Desenvolvimento. No ano passado, juntamente com Fernando Henrique e outros ex-presidentes latinos-americanos, escreveu um documento que alertou para os riscos à democracia, com o título “Cuidemos da democracia para que ela não seja vítima da pandemia”.
O painel também foi transmitido durante o Integra RAPS, o evento mais importado da rede, restrito aos Líderes RAPS. O encontro foi elaborado para receber os 80 novos integrantes com mandatos de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. Também estavam presentes veteranos da RAPs como o deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP). Abaixo os principais trechos do webinar:
Como recuperar a confiança das pessoas nas instituições
“Estamos vivendo uma grande mudança. Antes a política era mais vertical. Hoje é mais horizontal. Não preciso esperar as eleições para falar com o eleitor, eu uso as redes sociais, eu mando um tuíte. Os políticos precisam escutar os cidadãos. As demandas estão sempre mudando.”
O que fazer para manter a democracia no Brasil
“O tema é bem transcendente e bem importante. Eu acredito que a democracia deve ser cuidada como uma planta. Ela precisa ser regada todos os dias para que continue crescendo e dando frutos. Eu acredito em governar para a democracia. O que quer dizer governar para a democracia? Se o país está crescendo e progredindo, então as demandas maiores estão sendo satisfeitas, mas vão surgir logo novas demandas. Quando você está muito orgulhoso, que conseguiu diminuir a pobreza em 5%, vem a crise da pandemia e as pessoas não querem voltar a ser pobres. Você precisa escutar o que a sociedade está demandando: uma melhora aos acessos aos bens, que tinham antes. Governar na democracia é saber escutar novas demandas.
Se a democracia não está atendendo as minhas demandas, a culpa é do líder político, que consegue retribuir. O demagogo oferece algo que não vai cumprir. O democrata cria primeiro a riqueza e providencia que esse produto nacional seja bem distribuído. Mas quando é bem dividido, novamente surgem outras demandas.”
Como derrotar os demagogos
“Na Finlândia, se um número de pessoas diz que está de acordo com um determinado tema, o Parlamento é obrigado a discutir. Ali, existe a possibilidade de um escutar o outro. A forma de cuidar da democracia é aprender a escutar as novas demandas. E isso deve estar na ordem do dia. O povo é a expressão viva da sociedade. Vocês podem se organizar para serem escutados.
Senhor congressista escute a minha demanda da minha cidade…
No Chile durante muito tempo não foi possível fazer muitas coisas porque não tínhamos ferramentas. O mercado mandava. E o mercado só escuta quem tem dinheiro. Mas as pessoas que não são ouvidas também possuem demandas. No futuro a demagogia será derrotada se nos adiantarmos as demandas da sociedade.”
Legado para o futuro
“Hoje temos a consciência que estamos destruindo o planeta. Por isso, é tão importante ter uma ação política sustentável. Na minha idade, procuro usar pouco os recursos naturais, mas isso tem a ver com o que meus pais me ensinaram. Eles faziam isso. Eu preciso preservar para os que vão viver depois de mim.”
Consequências da pandemia
“O que a pandemia fez foi desnudar as debilidades sociais, que ficaram ainda maiores. Ela evidenciou para os cidadãos que estão isolados em casa, a importância do acesso a coisas tão básicas como água. Em outras crises, por exemplo, na Guerra do Iraque, as pessoas podiam fugir para outros territórios. Nesta pandemia, não existe para onde correr. O esforço da América Latina deveria ser maior. A América Latina não voz, então ela não existe. Temos os piores números da pandemia. Tanto do ponto de vista político como da pandemia, é preciso criar empregos. O ser humano precisa voltar a ter um nível de segurança satisfatória.”
O que o Brasil tem a aprender com o Chile e vice-versa
“No Chile, tudo parece mais fácil porque é menor. Somos a décima parte do Brasil. Precisamos reforçar os sistemas democráticos. Depois da Segunda Guerra, pensamos que precisaríamos aumentar a produção individual. A renda per capita dos países era o índice usado para medir o desenvolvimento. A partir do que passamos no século 20, isso mudou. O importante passou a ser o sistema da sustentabilidade.
Todo mundo sabe responder o que é renda per capta. Mas o mesmo não acontece quando pergunto qual é o nível de gases de efeito estufa, que alguém emite na atmosfera. Estes gases ficam 120 anos na atmosfera. Por isso, os níveis de emissões atuais hoje vão continuar por 120 anos. A poluição forma uma camada, que dura 120 anos. “
O desafio de crescer e diminuir o nível de emissões de gases do efeito estufa
“Todos são responsáveis. O nível de emissões depende do tamanho da economia. E no caso do Brasil, ela é grande, porque o país tem mais de 200 milhões de habitantes. A economia do Brasil melhorou nos últimos anos, porém é um país que depreda a selva Amazônica, o chamado “pulmão do planeta”. Não é possível que o Brasil emita mais gases de efeito estufa pelas árvores que corta anualmente –árvores que não vão mais absorver o CO2. Eu sei que a imensa floresta Amazônica está no Brasil, que se extende em outros territórios (Venezuela, Colômbia, Bolívia e Peru). O Brasil tem uma liderança natural. O que o Brasil vai fazer para não depredar os bosques da Amazônia? Eu entendo que hoje muitos querem devastar as florestas, porque querem cultivar soja e criar gado. Mas esse tema é muito importante. E vocês (membros RAPS), que são representantes da política pela sustentabilidade, devem ter a proteção da Amazônia como tema central.”
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