A série “Capacidades para inovação em governos: ações para o presente e diálogos para o futuro” é uma iniciativa da RAPS em parceria com Instituto Arapyaú e República.org para promover debates sobre o protagonismo dos profissionais públicos na agenda de inovação governamental a fim de fortalecer saberes e práticas para as soluções dos desafios do setor no século XXI.
Como parte da programação, foi realizado no dia 21 de julho o webinar “Democracia, participação e transparência”, que abordou o contexto da democracia e do Estado neste momento de incertezas globais frente a pandemia gerada pelo Covid-19.
O evento teve a mediação de Mônica Sodré, diretora executiva da RAPS, e participação de Alexsandro Santos, diretor presidente da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo; Ngaire Woods, fundadora e reitora da Blavatnik School of Government (Oxford University); e Bruna Santos, diretora de inovação da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP).
Democracia em crise
A fala de Ngaire Woods traçou um panorama sobre a crise da democracia. De acordo com ela, a democracia já estava em dificuldades antes da pandemia do novo coronavírus. Historicamente, Woods identifica o ano de 1990 como ponto de destaque nesse processo. “A democracia precisa de concorrência para entregar serviços para as pessoas. E depois da Segunda Guerra Mundial, vimos a democracia sendo forçada a oferecer soluções para as populações. Com o fim da Guerra Fria, passou a não haver competição para a democracia. Assistimos uma globalização das oportunidades que não foi acompanhado por uma globalização das responsabilidades”, explicou.
Para Woods, a busca por governos que assegurem direitos e oportunidades gerou frustrações para todos e forçou o surgimentos de populistas. E com a chegada da Covid-19, colocou-se um holofote nos problemas. “ As democracias que se saíram melhor foram os que orquestraram o governo com diversas esferas e se uniram em sociedade para responder à crise”, afirmou.
Sobre o futuro, Woods destacou que a cooperação global é uma saída. “China e EUA não podem dividir o mundo e forçar os outros a fazer uma escolha entre os dois. Será preciso cooperação. Já vimos o G20 se reunindo e tentando aliviar dívidas no mundo tudo, é disso que precisaremos. Essa é a esperança para uma democracia global depois da pandemia, pautada pela cooperação”, analisou.
Outro ponto ressaltado pela fundadora e reitora da Blavatnik School of Government é a importância dos partidos reconhecerem suas falhas e as entregas que não fizeram ou deixaram de fazer para a população. “A democracia não pode funcionar quando as pessoas têm medo, estão divididas e polarizados. É nesse momento que elas encontram refúgio no autoritarismo, que nutre e alimenta os mesmos sentimentos. Sou otimista, mas os principais partidos precisam reconhecer seus erros e refletir sobre suas atuação para evitar que o medo se instaure”, disse Woods.
Legislativo e educação para a cidadania
Alexsandro Santos também falou sobre o processo da crise da democracia e fez apontamentos sobre o papel do legislativo nessa questão. Para ele, com o fim do regime comunista, a democracia liberal perdeu concorrência, a ambição da igualdade e de oferecer bem estar social para todos. E é por isso que o poder legislativo falar com a sociedade civil para fortalecer a democracia. “A crise da democracia é um processo de deterioração do poder legislativo. O parlamento no Brasil sofre dos problemas de uma sociedade de tradição autoritária, com bloco homogêneo. É recente a chegada da pluralidade e uma certa abertura, que só tem acontecido por pressão. Se pensarmos a representação de negros, mulheres e indígenas no parlamento, começamos a entender as questões de nossa democracia”, observou.
O diretor presidente da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo também ressaltou que o legislativo é um pilar da democracia porque ele conforma a sua qualidade, e por isso precisa se comprometer com educação política para a cidadania, que é o mais eficiente elemento para a defesa da democracia. “Uma sociedade precisa compreender o poder da democracia, isso se faz pela educação. Esse processo se faz por duas vias. Primeiro, é preciso abrir a caixa do legislativo. A população precisa se sentir à vontade em audiências públicas, participar e entender as proposições legislativas. Isso é coisa que se aprende vivenciando. Depois, o caminho passa por construir um programa de formação com informação, subsídio e espaço de diálogo sobre democracia”, explicou.
Inovação e tecnologia na gestão pública
A análise de Bruna Santos trouxe elementos de inovação, tecnologia e transparência na gestão pública para o debate sobre democracia. Ela observou que a crise das democracias liberais não é um privilégio do mundo em desenvolvimento. “Existem muitos casos e de diversos modos, inclusive em países europeus e até mesmo na Noruega. Para resolver esses problemas estruturais, é preciso que estejamos muito atentos”, declarou.
Sobre a papel da tecnologia nas formas de construir a democracia atualmente, a diretora de inovação da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) explicou que se trata de um processo que abrange muito mais que materiais e procedimentos, linguagens, representando um novo modelo mental. “A tecnologia nos dá a possibilidade se dermos mais assertivos na entrega da política pública nos municípios, por exemplo. Mas ela será sempre um meio para isso, e não o fim”, garantiu.
Em relação à agenda de inovação na democracia atual, Bruna Santos afirmou que redes como a RAPS e o Arapyaú são exemplos de organizações que cuidam e organizam o conhecimento para que ele possa ser implementado por diversos municípios. “Existe também a necessidade de construir redes locais e comunitárias para que a agenda possa ser executada. Essa agenda vem crescendo no Brasil e para chegar no nível local precisa ser tangível e prática. Muitas vezes não precisa de muita tecnologia, mas sim de inovação social”, finalizou.
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