Confira entrevista do Líder RAPS Mario Monzoni (Diretor do GVCes) a Sergio Adeodato, para coluna do Valor Online.
Quando rabiscou a ideia no guardanapo durante uma conversa com amigos em um restaurante de São Paulo, o professor Mario Monzoni, à época estudante de doutorado na Fundação Getulio Vargas (FGV), não imaginava a repercussão de levar para uma escola de economia um tema até então estranho às empresas. “Nem nos nossos melhores sonhos vislumbrávamos o que aconteceu no mercado e na gestão pública”, conta.
Ao completar dez anos, o Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVCes), da FGV, na capital paulista, reúne um acervo de conhecimento, indicadores e práticas de gestão que ilustra como o apelo ambiental e social passou a ser visto pelo setor produtivo como uma questão de sobrevivência.
Na última década, a sustentabilidade foi incorporada ao mercado de ações e o meio empresarial concentrou suas atenções no risco climático. Governos e corporações passaram a exercer o poder de compra para a disseminação de boas práticas em suas cadeias de fornecedores. “O modelo de negócios mudou; nossa função é elevar esse padrão, destruindo pontes para trás”, afirma o diretor do GVces.
No casarão onde está instalado, em uma pacata rua da região central da capital, 60 pesquisadores e funcionários dão conta de um trabalho iniciado por Monzoni e mais dois especialistas – os professores Rubens Mazon e Gladis Ribeiro, dedicados a uma pesquisa sobre investimentos responsáveis no Brasil. Dos inventários de carbono aos indicadores de desenvolvimento local, ao longo dos anos, os projetos lá conduzidos mapearam oportunidades, influenciaram políticas públicas e direcionaram decisões do setor privado.
O prestígio da academia ajudou a sustentabilidade a tomar vulto e ser incorporada às planilhas financeiras e produtos de largo consumo. De agora em diante, diz Monzoni, o desafio é desenvolver métricas e mecanismos de mercado capazes de abranger também os pequenos, tornar a economia verde mais inclusiva e multiplicar a escala das boas práticas.
Valor: Por induzir a revisão de padrões estabelecidos, a sustentabilidade enfrentou – e de certa forma continua enfrentando – resistências. Qual o ambiente econômico, ambiental e político no qual o assunto veio à tona?
Mario Monzoni: O debate vem desde a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, quando a FGV criou um centro internacional sobre o tema, no Rio de Janeiro. Mas a palavra “sustentabilidade” tal como entendemos hoje surgiu no meio acadêmico com o nascimento do GVCes, em São Paulo. Para multiplicar o conceito, a ideia foi inseri-lo na grade curricular de uma escola de referência na formação de gestores, privados e públicos. A base inicial foi o diálogo pioneiro com o setor financeiro, resultado da experiência que tive ao coordenar o Projeto Eco-Finanças, na ONG Amigos da Terra. Na virada para o século XXI, acompanhei o movimento do setor, empurrado pelo Banco Real. Fizemos oficinas sobre administração ambiental para instituições financeiras, com metodologia do International Finance Corporation (IFC) – braço privado do Banco Mundial. Esse foi o pilar inicial. Não imaginávamos que as ações fossem além da indústria financeira e alcançassem o patamar de hoje. Era algo inovador, mas não havia descrença por parte dos mais ortodoxos. Em 2007, com o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e a repercussão do filme de Al Gore sobre o aquecimento global, o tema ganhou destaque no meio empresarial. E como já tínhamos o respaldo de uma escola de tradição, como a FGV, não foi preciso muito esforço para explicar de onde vínhamos o que queríamos.
Valor: O primeiro programa do centro foi o New Ventures, focado em inovação e empreendedorismo. Qual foi o empurrão para o leque se ampliar?
Monzoni: Começamos com uma ideia na cabeça e R$ 55 mil doados pelo Banco Real como apoio institucional. Hospedamos o New Ventures, que durou sete anos, em parceria com o World Resources Institute. Uma das maiores realizações do GVCes nesses anos foi participar da construção do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da BM&F Bovespa, a partir de 2004. Criamos uma régua para medir práticas de sustentabilidade das empresas. Não bastavam reuniões mensais de três horas, foi necessário pesquisar benchmarks. Nosso modelo inclui oficinas e seminários, produção de conhecimento, comunicação e articulação. Aprendemos muito no relacionamento com empresas e sociedade.
Valor: A palavra “sustentabilidade” tornou-se bastante popular na última década. Quais os cuidados que a academia tem tomado para que o tema não caia no lugar comum e induza mudanças efetivas de escala em boas práticas, sem o risco do “greenwashing”?
Monzoni: No passado, acreditava-se que a discussão sobre meio ambiente era coisa para governos e sociedade civil, ambientalistas. Nos últimos 20 ou 30 anos, o setor empresarial começou a entender que poderia contribuir para um novo modelo de desenvolvimento. Mais que isso, poderia – e deveria – diminuir os riscos de perder sua própria sustentabilidade como empresa no longo prazo. O portfólio de negócios do século XXI é diferente em relação ao XX. Conseguiremos escala quando discutirmos sustentabilidade em política fiscal.
Valor: Alguns setores mais resistentes alegam que incentivos fiscais nesse campo podem prejudicar a competitividade. O senhor concorda com isso?
Monzoni: Não. Temos falado muito de crédito, mas o principal instrumento é o fiscal. No século XIX já se falava que as externalidades das empresas deveriam ser devolvidas para elas na forma de impostos. Hoje passamos por uma crise ambiental, onde a questão da internalização dos impactos externos ganha força. Empresas já contabilizam isso por meio da gestão, para reduzir riscos. Nos próximos dez anos, as externalidades deverão entrar na conta dos custos via tributação. O fluxo de caixa vai mudar e os preços relativos vão ficar como deveriam ser, mais reais.
Valor: O ritmo das mudanças condiz com a urgência ambiental do planeta?
Monzoni: Estamos na borda da pizza. A sustentabilidade nem começou. O tema ainda é marginal, embora a discussão sobre novas práticas tivesse crescido muito. Nossa conversa agora seria algo insano há dez anos. Não podemos dar um cavalo de pau num transatlântico. Mas podemos fornecer enzimas, como catalisadores, para o processo acontecer mais rapidamente. A nova e a velha economia vão coexistir durante este século. Esquizofrenias existem, inclusive dentro do próprio governo, que pela manhã se reúne no Fórum de Mudanças Climáticas e à tarde discute o pré-sal.
Valor: Na periferia, políticas de sustentabilidade perdem força em tempos de crise financeira global. Há algo no cenário capaz de mudar isso?
Monzoni: Ela sempre será marginal. Não estamos num nível civilizatório onde a sustentabilidade chegou para governar. Ela contribui de maneira periférica, mas crescente. Nas empresas que vivem a inércia de 250 anos de capitalismo, as questões do “botton line” econômico continuam pesando mais nas decisões, sem dúvida.
Valor: Um importante desafio da academia é comprovar com números que a sustentabilidade é financeiramente mais vantajosa. O que avançou nisso?
Monzoni: Muitas pessoas falam que a sustentabilidade é cara. Mas não é isso. A insustentabilidade é que é barata, porque utiliza subsídios sociais e ambientais para competir. O imposto teria a função de compensar o que a sociedade está pagando de maneira difusa, ao consumir produtos que geram impactos nocivos. Se a demanda por esses bens cair, o capital tenderá a migrar para outras fontes, gerando escalada e reduzindo custos para o que se considera mais sustentável. Não é a energia solar que é cara, é o carvão que é barato. Hoje o debate chega ao conselho de administração das empresas. Como academia, o grande dilema é construir uma narrativa para que a sustentabilidade não seja como uma pregação de padre. O setor empresarial tem de ser parte da solução e não um problema. Trabalhamos a construção de valor, que não é só aumento de receita. É a diminuição de risco, por exemplo. Cada prática pode gerar valor ou evitar que ele seja destruído. Quanto custa um arranhão na marca de uma instituição que financia desmatamento ou trabalho escravo?
“Quanto custa um arranhão na marca de uma instituição que financia desmatamento ou trabalho escravo?”
Valor: Além da política tributária, qual o papel dos governos nesse processo de incorporação de práticas produtivas menos danosas sob o aspecto social e ambiental? Estamos avançando?
Monzoni: Lidamos muito com a chamada “equação de demanda agregada”, onde há duas variáveis importantes, na forma de incentivos. Uma é o “I”, de investimento. A outra é o “G”, de gasto público – compras e contratações dos governos. Em 2004, nos chamaram de loucos quando fizemos o primeiro evento sobre compras públicas sustentáveis. Fomos recebidos a pedradas como hereges: “A Lei 8.666, sobre licitações públicas, não permite isso; obriga o menor preço”, criticavam. Mas logo surgiram iniciativas internacionais e pareceres de juristas dizendo diferente. Há motivação constitucional para se optar pelo mais sustentável. O assunto tornou-se política pública. No entanto, na minha leitura, o setor empresarial tem caminhado mais rapidamente do que o governo na incorporação da sustentabilidade na tomada de decisão.
Valor: Na última década, a questão climática polarizou o debate ambiental e as negociações para acesso a recursos financeiros. Como o tema tem refletido no trabalho do GVCes?
Monzoni: De maneira voluntária, muitas grandes empresas estão medindo e reportando emissões de carbono, dentro do Programa GHG Protocol, operado por nós junto com o WRI e World Business Council. As corporações globais participam das reuniões sobre clima da ONU. Elas perceberam que estamos falando de dinheiro. Gerenciar impactos no clima significa gerenciar energia, por exemplo. No entanto, instrumentos econômicos, a exemplo do mercado de carbono, não deveriam ser adiados permanentemente como ocorre no Brasil. Outros países estão construindo seus mercados. Estamos perdendo tempo. E sujando a nossa matriz energética com carvão, gás natural e combustíveis fósseis no transporte de carga.
Valor: Hoje em dia já não se admite a chegada de um grande empreendimento a uma região, sem controle ambiental e social. Como a academia tem contribuído para essa nova realidade?
Monzoni: É preciso trabalhar no nível local com uma agenda que presume governança e articulação política sobre o futuro comum. Construímos um conjunto de indicadores capaz de monitorar o desenvolvimento local no longo prazo. Foi o que apresentamos em Juriti (PA), a pedido da Alcoa, referência para novos projetos previstos para o país. Agora temos um PAC 2, estimado em R$ 1 trilhão, um investimento gigantesco que gostaríamos que acontecesse dentro de determinados princípios de sustentabilidade.
Valor: O diálogo faz parte da chamada “economia verde inclusiva”. Qual o poder da tecnologia da informação para chegarmos a ganhos sociais e ambientais?
Monzoni: É um novo jeito de se fazer negócio, com transparência plena, internet e redes sociais. Não há o que esconder. Além do fim das distâncias, a transparência das relações, inclusive econômicas, é algo marcante. Para reduzir emissões, costumamos pensar em tecnologia hard. A gente não pensa na tecnologia soft. Mas é possível conseguir avanços na questão climática com inteligência e informação. Por isso um dos nichos mais promissores da atualidade é o uso dessa ferramenta para resolver problemas de mobilidade urbana e eficiência energética.
Valor: Pensando no futuro, quais os temas de vanguarda que nos próximos anos devem se desenvolver no rastro do debate sobre a sustentabilidade?
Monzoni: Os próximos dez anos serão muito férteis no debate sobre a inclusão das questões ambientais nas contas nacionais. Para fazer sentido, as decisões sobre investimento e consumo precisam incorporar todos os custos. Outro aspecto promissor é a valoração dos serviços ecossistêmicos, os recursos oferecidos pela natureza bem conservada. O clima, por exemplo, avançou na agenda porque o carbono passou a ser mensurado, reportado e precificado. Falta ainda uma régua para fazer o mesmo com os demais serviços ambientais. O tema mobiliza o chamado The B Team, um grupo de lideranças globais em sustentabilidade. É um campo apaixonante da economia ambiental, que hoje tem o desafio de contribuir para transformar a urgência em ação. Há muito que avançar nos indicadores sociais, onde há muita desigualdade. A sociedade precisa se organizar para inverter o processo de destruição. Há tecnologia, mas não estamos sendo sábios suficientes para isso.
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