Ana Paula Massonetto*
Publicado em Estadão, no blog Legis-Ativo
*Escrito em parceria com Pedro de Lima Marin, doutor em Administração Pública e Governo (FGV) e Analista Legislativo da Alesp
Para governar é preciso de apoio do Legislativo, obtido não apenas por afinidade partidária ou ideológica, mas também mediante negociação por cargos e recursos. Essa é a essência do presidencialismo de coalizão.
Nos estados brasileiros, cujo cenário de crise fiscal se intensifica, os governadores eleitos precisarão de mais de 50% dos deputados estaduais para aprovar projetos de lei ou o orçamento do estado, e de 3/5 para aprovar emendas às constituições estaduais, se desejarem equacionar questões relacionadas às previdências dos servidores públicos estaduais, por exemplo.
Entretanto, a governabilidade tende a ser tranquilamente equacionada por 2/3 dos governadores eleitos em outubro.
De fato, se contassem apenas com o apoio de deputados eleitos pelo seu próprio partido, nenhum dos governadores eleitos em outubro conseguiria aprovar suas agendas legislativas, pois o apoio legislativo ao governo oriundo do próprio partido varia de 0 (nenhum deputado eleito pelo partido do governador) a 22% do total de cadeiras da Assembleia (vide coluna 3 da tabela a seguir).
Porém, no jogo da governabilidade, a distribuição do poder é acordada antes mesmo da vitória, a partir das coligações eleitorais.
A tabela ao final do texto destaca um grupo de 11 governadores cujas coligações eleitorais permitem formar maiorias legislativas que variam de 50% a 80% (PI, MA, AL, BA, PE, CE, PB, MS, ES, PA e AC).
Curiosamente, 7 dos 11 estados deste grupo, a maior parte deles localizados no Nordeste, tiveram seus governadores reeleitos, indicando uma propensão dos partidos e parlamentares de se manterem na situação e uma tendência de continuidade dos arranjos que já estavam estabelecidos no mandato anterior. No total, 10 governadores conseguiram a reeleição em 2018.
A gravitação em torno das candidaturas com maior chance de vitória é explicitada pela quantidade de partidos compondo as coligações eleitorais de 2/3 dos estados, variando de 6 no caso de SP e chegando a 18 partidos no caso do ES.
Estas coligações eleitorais ampliadas asseguram para outro grupo de 10 governadores, de partida, apoio legislativo entre 29% e 50% (AC, GO, MT, SE, PR, RR, TO, RS, AP e SP).
Embora ainda possa haver mudanças na composição das bancadas parlamentares, em razão da cláusula de desempenho ou da saída de deputados para ocupar secretarias ou por processos na justiça eleitoral, como destacou Humberto Dantas recentemente aqui no blog, analisar o tamanho do apoio legislativo assegurado pelas coligações eleitorais nos dá uma pista sobre o grau de dificuldade, ou a intensidade das negociações, de cada governador para firmar o apoio legislativo em seu estado.
As estratégias, cargos e demais moedas de troca utilizadas pelos governadores para retribuir o apoio dos partidos coligados ou para atrair apoio de novos partidos e formar maioria legislativa dependerão de dinâmicas regionais de poder e da relação entre as lideranças partidárias no âmbito de cada estado.
De todo modo, há um padrão observável historicamente nos Estados (MASSONETTO, 2014; SANDES-FREITAS, 2014), que poderá ser testado em breve.
A tendência é que os 2/3 dos governadores, com amplo apoio legislativo assegurado pelas coligações eleitorais ou com muitos partidos gravitando em seus eixos, distribuam algumas poucas secretarias estaduais e um pouco mais de diretorias nas empresas públicas (administração indireta) para os partidos com maiores bancadas parlamentares.
Os coligados com menores bancadas tendem a receber cargos do 2º escalão na administração direta ou indireta ou na própria Assembleia Legislativa e outras moedas menos custosas, como repasse de recursos orçamentários para seus distritos eleitorais informais, por exemplo.
As habilidades de negociação serão testadas, de fato, no caso dos governadores novatos (DF, SC, RN, RJ, RO, MG, AM), eleitos pelas coligações minoritárias, cuja ampliação de apoio já teve início ainda durante o 2º turno da eleição. Nestes estados, os governadores precisarão distribuir um número maior de secretarias e diretorias da administração indireta, e a negociação será intensa até que partidos e parlamentares se acomodem em torno dos governos eleitos.
Considerando (1) as competências estaduais reduzidas e, portanto, menor tensão na agenda do governador que passa pelas assembleias legislativas comparativamente ao Congresso Nacional; e, (2) a dependência dos recursos da máquina do governo estadual para a carreira dos parlamentares, é provável que as acomodações em torno dos novos governadores sejam equacionadas sem grandes alardes, mantendo-se a trajetória, via de regra, de predomínio dos Executivos estaduais sobre as assembleias legislativas brasileiras.
Neste cenário, o desafio dos governadores novatos estará menos na acomodação de maioria legislativa, e mais em manter suas promessas de campanha, de não negociar com o parlamento e não aceitar “a tradicional política”. Embora instigante, parece utópico: como governar estados (aprovar o orçamento, por exemplo) sem negociar com partidos ou parlamentares de fora da coligação e para além da legenda vencedora?
Tabela: Tamanho das bancadas parlamentares dos Governadores e das Coligações eleitas nas Assembleias Legislativas.
Fonte: elaboração própria, com dados do TSE
Referências:
MASSONETTO, Ana Paula. Presidencialismo estadual em São Paulo: o que une os partidos na coalizão. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo). FGV Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2014.
SANDES-FREITAS, Vítor Eduardo Veras de. Alianças partidárias nos estados brasileiros: das coligações às coalizões de governo. Tese (Doutorado em Ciência Política). Unicamp, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, São Paulo, 2015.
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