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Para diretora do filme Chega de Fiu Fiu, combate ao assédio passa pela conscientização

17 de julho de 2018

Para diretora do filme Chega de Fiu Fiu, combate ao assédio passa pela conscientização

Diretora do Filme Chega de Fiu Fiu Amanda Kamenchek, no evento #RAPSporElas

 
Para a diretora do filme Chega de Fiu Fiu, Amanda Kamenchek Lemos, o combate ao assédio passa necessariamente pela conscientização da população e pela qualificação do debate. A diretora ainda afirma que a punição para agressores é importante, desde que venha acompanhada da educação e do debate sobre violência de gênero.
Para Amanda, há uma série de barreiras nas cidades que afetam diariamente as mulheres. Algumas são físicas e objetivas, como baixa iluminação pública ou transporte público deficiente, outras, invisíveis, como o assédio praticado pelos homens, que gera insegurança e dificulta o trânsito das mulheres nas regiões urbanas. Com uma hora e dez minutos de duração, o documentário Chega de Fiu Fiu trata desses assuntos, reunindo relatos de três mulheres sobre situações que enfrentam no dia-a-dia em municípios brasileiros. O filme faz parte de uma série de ações, encabeçadas pela organização Think Olga, e desenvolvidas para debater e combater o assédio, como um estudo sobre a opinião de mulheres sobre cantadas de rua, além de um mapa interativo.
A diretora do filme participou do evento #RAPSporElas, realizado nos dias 13 e 14 de julho, em São Paulo. A exibição de Chega de Fiu Fiu, seguido pelo debate com Amanda, fizeram parte da programação, junto a uma formação para lideranças femininas. O evento foi realizado pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade – RAPS, juntamente com o GT Mulheres RAPS, coletivo auto-organizado com as lideranças femininas da rede.
 
RAPS – Como foi o desenvolvimento do filme Chega de Fiu Fiu?
Amanda Kamenchek Lemos – Eu e a Fernanda Frazão, a outra diretora do filme, trabalhávamos com documentários, e já tínhamos interesse em fazer um filme com essa temática. Quando surgiu o Chega de Fiu Fiu, em 2013, com os estudos que foram divulgados, pensamos que seria uma grande oportunidade transformar a campanha em uma experiência audiovisual, e, logo de início, pensamos em fazer dela uma ferramenta de advocacy. A ideia era que o filme fosse um braço de articulação e um braço de educação sobre o tema. Fizemos a parceria com a Think Olga [organização que busca emponderar mulheres a partir da informação] e começamos a trabalhar em 2014 no filme.
O projeto Chega de Fiu Fiu estava começando, e o filme tem uma história conjunta, de continuidade. Houve um estudo pioneiro, feito em 2013, realizado pela jornalista Karin Hueck, que fez um grande levantamento de dados, com mais de 7 mil mulheres respondendo questões sobre assédio. Nessa época, o assédio era uma palavra não dita, então, não era um tema da agenda. Mas isso mudou entre 2013 e 2014. Com essa pesquisa o tema começou a correr, principalmente pela internet e, de repente, ganhou espaço no debate público em várias esferas.
O filme dá ênfase ao debate sobre o direito à cidade, e fala sobre as barreiras visíveis e invisíveis que atingem as mulheres nos centros urbanos. Quais são essas barreiras?
Amanda – Quando olhamos para a construção das cidades, principalmente no Brasil, percebemos que elas não foram feitas pensando na igualdade de gênero. No país, 86% das mulheres têm medo de sair às ruas. Quando falamos das barreiras visíveis, a gente fala sobre falta de iluminação pública, que é um entrave, além da dificuldade de mobilidade e a falta de transporte público, principalmente à noite ou de madrugada. Os terrenos baldios e ermos, que estão espalhados pelas cidades, acabam fechando os caminhos para as mulheres. Há também a questão de comércios e residências: como os bairros não são mistos, muitas vezes à noite você passa em um lugar residencial que não tem nada nem ninguém, e isso causa muita insegurança.
Já em relação às barreiras invisíveis, acho que uma delas era, até então, a questão do assédio – uma série de violências tidas como aceitáveis, e que fazem parte do nosso dia a dia, mas que os homens não viam. Todas as mulheres sofrem com isso, mas os homens não tinham ideia de quão cotidiano e quão violento isso é, por isso essa questão se torna invisível. Outra barreira é o mapa mental que temos que fazer, com o horário que vamos sair, a roupa que vamos colocar e a rua que vamos circular. Dependendo do lugar e do horário, a nossa roupa pode causar problemas para a gente. Não há políticas públicas que olhem para essas vias que trafegamos, então também é uma barreira invisível.
Um dos pontos levantados no filme é o assédio praticados pelos homens. Claramente ele busca ser uma peça de conscientização, mas as pessoas ainda consideram algumas das cenas do filme surpreendentes e chocantes. Como você acha que essa conscientização pode se tornar mais perene, e menos surpreendente?
Amanda – Falamos isso no filme: que o assédio não seja um tema tabu, e que as pessoas possam discutir esse tema em qualquer ambiente, como uma questão cultural e social. Todos nós, homens e mulheres, temos que pensar em soluções para que esse problema deixe de existir. Quando falamos sobre assédio de forma transparente e qualificada, entendendo o que realmente significa, a gente começa a resolver esse problema. Acho que não só dentro de casa, mas também nas escolas, nos espaços sociais que temos de troca, no trabalho, em qualquer ambiente é possível a discussão, para que possamos começar a pensar em soluções inteligentes para combater o assédio.
Pensando em uma questão de políticas públicas, como pode ser combatido o assédio e essas barreiras visíveis e invisíveis nas cidades?
Amanda – Analisando as políticas públicas já existentes, acho que elas não são bem cumpridas. Por exemplo, temos vários casos de assédio e violência sexual em veículos de aplicativos ou no transporte público que não tiveram punição e que não foram julgadas. Há uma falta de compreensão sobre o que o assédio significa, do que é sofrer violência pelo simples fato de ser mulher.
Podemos começar a falar em soluções quando qualificarmos os gestores e funcionários públicos, desde o delegado, o policial, o profissional da saúde, até os professores e diretores de escola, integrando uma rede para olhar esse problema como uma questão transversal. Acho que já há leis e políticas públicas que tratam do tema e que devem ser implementadas, mas há pouco trabalho em rede e parcerias, que olham para o problema e buscam soluções de curto prazo. Isso deveria ser fortalecido e valorizado.
O debate sobre sensibilização é muito importante, mas também se debate sobre as punições para quem comete esses delitos. Nesse ponto, quais são os caminhos para o combate ao assédio, é necessário pensar também em formas de punir quem comete esses delitos?
Amanda – Não só o Brasil, mas o mundo todo começou a olhar o assédio como uma forma de violência.  O debate é recente e tem relação com a cidadania, com a democracia, e com todo o movimento das mulheres tornarem-se parte ativa de vários espaços de poder na qual elas não tinham presença. Quando olhamos para a questão do assédio, da implementação de políticas públicas e, principalmente, para essa tendência de tratá-lo como violência, existe uma questão punitiva, mas que não é a única solução. A punição é importante, mas acreditamos muito também na esfera civil, de você cumprir um papel enquanto cidadão.
Existem possibilidades de você aplicar uma multa, ou uma sanção social, demarcando e tipificando o que é o assédio, em todos os âmbitos, mas acho que a primeira coisa da punição é deixar claro que a sociedade não aceita mais esse tipo de violência. Isso tem acontecido em vários lugares, como Portugal, na França, na Bélgica, e mesmo aqui no Brasil estão surgindo novas leis que estão discutindo isso. Portanto, não acho que seja uma questão meramente punitiva, é também uma questão moral, de como você não pode se comportar.
Também precisamos pensar em uma pena educativa, não necessariamente em todos os casos, pois acho que a violência tem várias nuances. Acredito que punição e a questão educativa e social devem estar interligadas. Um bom exemplo já existente é o que temos na Lei Maria da Penha, em que os homens autores de violência têm de participar de grupos de estudos para entender as questões de masculinidades e de violência de gênero. É importante ter uma política para homens que cometem violência, fazendo com que eles comecem a entender o problema, debatendo muitas vezes entre eles, muito mais do que enclausurá-los. Acho que estamos olhando para os direitos humanos e para seu avanço, então não adianta só punirmos de maneira que não eduque.

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