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“São 70 mil eleitos, será que nenhum presta?”

26 de novembro de 2018

"São 70 mil eleitos, será que nenhum presta?"

Do coluna Direto da Fonte, de Sonia Racy, no Estadão

 

Mônica Sodré, diretora da Raps, faz balanço da preparação de futuros políticos e critica a noção de que todos os políticos de carreira sejam ruins

Com seis anos de existência, a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps) – fundada por Guilherme Leal, da Natura – já conta com 36 de seus membros eleitos este ano. Só no Congresso, eles são 19 parlamentares: 16 deputados e três senadores.

Na próxima etapa, a organização, de acordo com sua diretora-executiva, Mônica Sodré, vai colocar os seus quadros eleitos em contato uns com os outros para discutir pautas que estão na agenda do próximo governo – como reforma da Previdência, revisão de pacto federativo, Estatuto do Desarmamento. A ideia é construir convergência entre gente de partidos antagônicos. Quanto à ideia negativa que se tem, em geral, dos políticos, ela levanta uma questão: “Elegemos 70.500 pessoas a cada quatro anos. É muita gente para olhar e se dizer que ninguém presta, não é?”

“A Raps costuma ser esse espaço onde as pessoas se sentem um pouco mais à vontade pra conversar, a despeito das diferenças”. Nesse sentido, ela diz que prefere evitar a palavra “renovação” para definir o movimento: “Prefiro usar “qualificação”, explica Mônica à repórter Paula Reverbel. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Poucos previram essa taxa de renovação do Congresso. Muitos caciques não conseguiram se eleger, nem com dinheiro do fundo eleitoral. Como avalia isso?
A criação das regras para distribuir o fundo eleitoral já foi, na visão de muitos analistas, uma maneira de o próprio sistema se blindar contra a entrada de agentes externos. Ainda assim, vimos alguma mudança na composição do Congresso, sobretudo da Câmara. Me parece resultado de fenômeno que muita gente não previu, que foram as redes sociais e o WhatsApp. Muitos candidatos fizeram bom uso dessas ferramentas, que em geral são menos custosas do que os meios de comunicação tradicionais. Temos alguns nomes que tradicionalmente estavam lá e não conseguiram se reeleger – isso pode denotar, sim, um desejo das pessoas pelo novo, pelo diferente.

O que lhe chamou atenção?
Teremos mais novatos na Câmara, mas há uma qualificação desse número de novatos. Muitas vezes as pessoas são novas na Casa, mas já tiveram algum tipo de exercício de atividade política, já foram prefeitos, vereadores… ou em uma função nomeada, como secretário… Vale a pena atentar a esses detalhes quando falamos dessa renovação. Organizamos um seminário em parceria com a Fundação Fernando Henrique Cardoso em outubro e fizemos essa filtragem dos dados. Nessa alardeada renovação há alguns mais de fora do que outros. Não vejo demérito algum nisso.

Mas qual que é a visão da Raps sobre a renovação?
Há uma certa junção de propostas que acabaram rotuladas como “movimento de renovação”. Procuramos deixar claro que a Raps não é um movimento de renovação. Ela tem conselho de ética, conselho fiscal, conselho consultivo, conselho diretor. Tem doadores, todos declarados e divulgados anualmente nos relatórios, desde 2013. E nosso fim não é a renovação no sentido mais comum do termo – a gente valoriza, sim, quem está na política. A nossa ideia é ser um polo de disseminação e difusão da sustentabilidade para além da área ambiental, independente de os nossos quadros estarem no primeiro mandato ou não. Queremos boas pessoas na política, pessoas trabalhando pela sustentabilidade. Queremos fazer um mix entre aqueles que já estão lá – e têm mais experiência – e os que estão chegando.

Mas vocês ajudam os estreantes na política.
Sim, a gente tem um compromisso com a formação de novos líderes, dar voz, vez e oportunidade a uma nova geração que entende cada vez mais que a política é fundamental. E temos nos dedicado a isso. É difícil pra um novato começar do zero. As pessoas que já estão na política – que já têm mais bagagem, já passaram por eleições – têm o papel de receber os que chegam e partilhar experiência. Nossa ideia é qualificar a política. A ideia de renovação traz uma noção de que tudo que está aí não é bom, e não é isso. Temos boas pessoas exercendo seus mandatos. Costumo evitar a palavra “renovação”, prefiro usar “qualificação”.

É generalizada a impressão de que o Congresso tem um monte de gente desqualificada.
É importante ressaltar que (o Congresso) é legítimo – essas pessoas chegaram lá por vontade popular. Não é pouca coisa a gente ter possibilidade de votar. De maneira alguma nós queremos dizer às pessoas como elas deveriam ou não votar. O que escolhemos foi trabalhar com lideranças e dar algum tipo de suporte pra que elas conheçam melhor os temas, debatam com especialistas, construam uma visão conjunta e troquem experiências. É nesse sentido a qualificação.

A Raps não fala onde as pessoas devem se situar no espectro político. Por quê?
Não temos interferência no voto das pessoas, na escolha das legendas. Tem um grande número de integrantes da Raps que não são filiados (a partido político) e não existe nenhum direcionamento da rede nesse sentido. A diversidade é um elemento que a gente ressalta, queremos pessoas do Brasil inteiro, queremos diversidade de gênero, queremos diversidade partidária.

Muitos avaliam que houve um crescimento do perfil conservador no Congresso. Vocês fazem alguma análise sobre isso?
O que é possível perceber das análises é que temos uma Câmara mais orientada para a direita e possivelmente mais preocupada com elementos de costumes – como as pessoas vivem a sua vida no dia a dia. Precisamos ver como é que esse novo Congresso vai se comportar em relação a isso.

Está definido como vai ser a atuação de vocês diante desse Congresso recém-eleito?
Em 2019, essa interlocução com os eleitos vai precisar se aprofundar. A nossa ideia é fazer uma articulação entre parceiros, organizações da sociedade civil e contar com algum tipo de estrutura em Brasília para ampliar esses espaços de diálogo. Não é lobby, não é defender uma agenda ou uma causa, mas construir esse espaço de conversas. Temos 20 eleitos no Congresso que pertencem a partidos antagônicos no aspecto político-ideológico. A Raps costuma ser esse espaço onde as pessoas se sentem um pouco mais à vontade para conversar, a despeito das diferenças que, lá no parlamento, ficam um pouco mais claras.

Como farão isso, concretamente?
Do ponto de visto dos eleitos Raps, há pessoas que não tinham mandatos – algumas delas não estavam sequer na política antes de disputar de cargos eletivos – e outros que já tinham sido deputados, prefeitos, vereadores. Vamos colocá-los em contato pra discutir as principais pautas que estarão na agenda do governo e que já estão anunciadas. Entre elas, reforma da Previdência, algum tipo de revisão de pacto federativo, Estatuto do Desarmamento… Enfim, há uma série de pautas quentes, e queremos que os nossos conversem entre si e consigam construir convergências.

Quais as dificuldades para erguer essa ponte em épocas de extremismo?
Tem um desafio que não é pequeno, que é a velocidade do mundo versus a velocidade da tomada de decisão. Vivemos em um mundo cada vez mais rápido. Um exemplo: o tempo de espera sem agonia de alguém que enviou uma mensagem de WhatsApp é de 20 minutos. Se você mandou a mensagem e a pessoa não respondeu em 20 minutos, você já se sente autorizado a entrar em pânico e achar que a pessoa não está te respondendo porque há um problema. Mas a democracia não é um sistema construído pra ser rápido na tomada de decisão. A celeridade é muito característica do regime autoritário, né?

Sim, que resolve e pronto…
A democracia, até porque ela prevê mais pontos de veto e de tomada de decisão, vai levar mais tempo para chegar a algumas conclusões. A crise da representação tem a ver com o fato de que o mundo caminha numa velocidade maior do que as instituições dão conta. E me preocupa que as pessoas comecem a achar que a representação não é importante.

Por quê?
A representação, sozinha, não dá conta da sociedade complexa do século 21. Por outro lado, quando escolho um deputado essa pessoa tem à sua disposição elementos para tomada de decisão que eu não tenho. Se você me perguntar se devemos aprovar um projeto que cria comércio internacional intrabloco com países do Mercosul… eu não sei. Mas espero que um deputado na Comissão de Relações Exteriores, com a equipe que ele tem à sua disposição, tome uma decisão mais qualificada que a minha. Não vou fazer disso um ato de fé, mas entendo que ele tem uma dedicação e um grupo técnico capaz de assessorá-lo melhor do que o meu.

O que teme que aconteça?
Temos tentado abrir mão da representação, como se todo mundo que está na política fosse ruim. Elegemos 70.500 pessoas a cada quatro anos. É muita gente para olhar e se dizer que ninguém presta, não é? Me parece que essa crise da representação vem disso: instituições construídas para outro momento histórico e uma sociedade que quer decisões rápidas do prefeito, do vereador, do secretário e do deputado. E às vezes eles não são capazes de agir naquele momento. Um prefeito me disse: “Mônica, as pessoas querem mais participação. Mas aí, eu vou precisar chamar mais audiência, vou abrir mais processo de consulta digital, isso leva tempo”. É difícil compatibilizar o tempo da tomada de decisão, com o tempo de uma sociedade que está aflita. Afinal, são 13 milhões de desempregados, são retrocessos sociais…

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